Ministério Público Estado da Bahia

Ministério Público Estado da Bahia

Um aumento de 250% no número de representações relativas a irregularidades na destinação e uso de cotas raciais foi registrado pelo Grupo de Atuação Especial de Defesa dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis), do Ministério Público do Estado da Bahia, neste ano de 2020. Até agora, foram 35 casos, 25 a mais do que em 2019. Primeiro MP no Brasil a ter uma Promotoria especializada no combate ao racismo, o Ministério Público do Estado da Bahia também é o primeiro no País a criar um Grupo de Trabalho (GT) para elaboração de um programa de enfrentamento ao racismo institucional.

Criado em 20 de julho deste ano, no dia da celebração dos dez anos do Estatuto da Igualdade Racial, o Grupo de Enfrentamento ao Racismo Institucional (Geri) já finalizou no início de dezembro a minuta do projeto para construção do plano de ação que vai subsidiar a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) para adoção de políticas e medidas que impliquem em alterações organizacionais voltadas ao combate ao racismo dentro da própria Instituição.

“O MP da Bahia sempre esteve muito atento a esse fenômeno do racismo, que infelizmente nos define estruturalmente enquanto sociedade. Fomos os primeiros a criar, ainda nos anos 1990, uma Promotoria exclusiva ao combate ao racismo e à intolerância religiosa e temos também um projeto institucional ‘Todos Contra o Racismo’. Entre os produtos desse projeto, temos o Mapa do Racismo e o Geri, que é um órgão consultivo da Procuradoria-Geral de Justiça, para promover políticas institucionais de enfrentamento ao racismo dentro do MP. A gente pretende fazer um grande censo racial no MP baiano, de todos os integrantes, e fomentar ações para criação de oportunidades laborais e coibir violência institucional na Instituição”, explicou o promotor de Justiça Edvaldo Vivas Gomes, o coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (Caodh), ao qual o Gedhdis é vinculado.

O Geri é formado por promotores e promotoras de Justiça, servidores e servidoras que integram a chefia de gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça; pela coordenadoria e superintendência de Gestão Administrativa; diretoria de Gestão de Pessoas; coordenação do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf); coordenação do Caodh; coordenação do Gedhdis; Associação do Ministério Público do Estado da Bahia (Ampeb); Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Estado da Bahia (Sindsemp); além de integrantes do ‘Coletivo Maria Felipa’, entidade antirracista autônoma e independente criada por servidores, colaboradores e estagiários que atuam no MP, com o objetivo de promover o debate e a conscientização sobre o racismo nas suas mais diversas formas, em especial o racismo institucional.

Uma conscientização que, na sociedade civil organizada, tem sido gradual, a partir do aperfeiçoamento das políticas afirmativas. Para a coordenadora do Grupo, promotora de Justiça Lívia Vaz, o crescimento dos registros de fraudes em cotas raciais indica um “maior controle social da política pública”. Ela explicou que a adoção de políticas de cotas raciais para universidades, em 2012, e em concurso público, em 2014, no âmbito federal e também na Bahia, foi inicialmente realizada com base apenas na autodeclaração, que se mostrou insuficiente para sua efetividade. “Pessoas que não são consideradas socialmente negras, pois não reúnem as características fenotípicas para serem percebidas como tal, portanto potencialmente vítimas de discriminação, vinham ocupando as vagas. O objetivo principal da política pública de ação afirmativa racial, que é o incremento da presença negra nos espaços de poder e decisão, não estava acontecendo a contento. Então, percebeu-se a necessidade de fiscalização, que começou a acontecer”, afirmou.

Segundo a promotora, essa percepção foi crescendo com a disseminação da informação e mobilização do movimento negro, expressando-se e materializando-se normativamente, por exemplo, na criação de comissões de heteroidentificação nas universidades, na expedição pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) da recomendação nº41/2016, estabelecendo a necessidade de fiscalização do MP quanto às cotas raciais para universidade e concurso público, e nas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186 e na Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 41, “de que as comissões de heteroidentificação de autodeclaração racial são mecanismos legítimos e importantes para que não haja desvio de finalidade da política pública”.

A atuação do MP tem sido intensa e constante, ampliando os canais para a sociedade denunciar os casos de racismo, apesar da pandemia ter trazido limitações. O Gedhdis também recebeu notícias de casos de discriminação racial, injúria racial, intolerância religiosa, racismo institucional, irregularidades em cotas raciais, xenofobia, entre outros. Quarenta e quatro delas chegaram ao MP via ‘Mapa do Racismo e da Intolerância Religiosa’, um aplicativo desenvolvido pela instituição para o recebimento de denúncias. Segundo Lívia Vaz, o ano de 2020 marca um ponto de inflexão da curva de casos de racismo, injúria racial e intolerância religiosa recebidos pelo Gedhdis, mas, ao mesmo tempo, houve diferenças significativas no conteúdo dos casos. Ela acredita que as transformações identificadas estejam relacionadas à influência da pandemia do novo coronavírus, que alterou a realidade da prestação do serviço. “O atendimento ao público presencial, por exemplo, está restrito desde março e, apesar de termos números expressivos de registros de notícias de fato, por meio virtual, devemos considerar que grande parte do público atendido pelo Gedhdis convive concorrentemente com mais de uma vulnerabilidade”, pontuou.  Ela acredita que as restrições impostas pelo necessário distanciamento social podem ter tornado menos acessível o uso do Sistema de Justiça por pessoas em situação de vulnerabilidade.

Em 2020, o Gedhdis emitiu 23 recomendações. “Esse é o maior número anual de nossa história, um aumento de mais de 280% em relação a 2019, e isso apenas até novembro”, disse Lívia Vaz. Foram recomendações para a Prefeitura Municipal de Salvador e o Governo da Bahia no sentido de que garantissem a presença de sacerdotes e iniciados auxiliares em sepultamentos de adeptos de religiões de matrizes africanas durante a pandemia e para a utilização dos sepultamentos em gavetas ou cremações como último recurso, inclusive no caso de povos indígenas. Às secretarias de Manutenção da Cidade do Salvador e de Reparação foi orientado que, quando da realização de podas necessárias em árvores sagradas para os religiosos de matrizes africanas, deve-se agir sob as orientações do sacerdote. Ao Hospital Geral do Estado, o MPBA recomendou a observância aos critérios objetivos determinados pelo Código de Ética Médica quando da necessidade de utilização da tecnologia de transfusão de sangue e hemoderivados sem a anuência do paciente e/ou de sua família por motivo de crença religiosa. Dentre outras, foi recomendado ainda ao delegado-geral de Polícia Civil que expeça orientação aos demais delegados sobre a impossibilidade da concessão de fiança em crime de injúria racial, conforme jurisprudência e legislação. (MP-BA)