“Como implantar BRT em Salvador sem ter Plano de Mobilidade?”, questiona Maria del Carmen em audiência com Semob
Para tratar do projeto de construção do BRT (Bus Rapid Transit), que ligará a Estação da Lapa à Praça Newton Rique, na região do Iguatemi, em Salvador, a Comissão Especial de Desenvolvimento Urbano da Assembleia Legislativa da Bahia (CEDUrb/ALBa), realizou audiência pública, na ALBa, nesta segunda-feira (18).
De acordo com o secretário Municipal da Mobilidade Urbana, Fábio Mota, o estágio atual é o do processo licitatório do trecho 1 – que vai da altura do Parque da Cidade até o Iguatemi, com 2,9 km de extensão. A ideia, segundo Mota, é que este processo seja concluído ainda no primeiro semestre deste ano para que as obras sejam iniciadas. O investimento para esta fase será de R$ 376 milhões – recursos oriundos de empréstimo junto à Caixa Econômica Federal – com prazo de 28 meses para executa-lo.
Presidente da Cedurb/ALBa, a deputada estadual Maria del Carmen sinalizou que o projeto do BRT está sendo implementado sem levar em consideração o Plano de Mobilidade. “Como implantar BRT em Salvador sem ter Plano de Mobilidade, instrumento de política de desenvolvimento urbano que tem objetivo de promover a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas? Para se ter ideia, até hoje, a sociedade não tem acesso ao Plano Salvador 500, por exemplo, que foi elaborado para pensar a cidade pelos próximos 35 anos”.
Como, hoje, o metrô já faz o trajeto Lapa-Iguatemi, a parlamentar ainda questionou se um trecho do BRT, ligando estes mesmos pontos, seria prioridade. “Será que não seria melhor fazer outro tipo de intervenção, como a mobilidade vertical para facilitar o acesso das pessoas ao metrô? Ou investir na Estrada Velha do Aeroporto, uma via que tem, hoje, uma quantidade enorme de unidades habitacionais e tem um traçado antigo e de risco em alguns trechos? Ou fazer um corredor para transporte em São Caetano, ou na Liberdade, ou no Nordeste da Amaralina ou em outros locais da cidade que apresentam problemas de fluxo. E como fica o deslocamento das pessoas dentro de seus próprios bairros?”, questionou Maria del Carmen.
Prioridade é transporte coletivo ou individual?
A advogada e militante da reforma urbana, Fernanda Gonzalez, frisou que o custo do metrô por quilômetro será de R$ 129 milhões, um dos mais caros do Brasil. “O BRT do Rio de Janeiro custou quase a metade deste valor, com R$ 70 milhões por quilômetro. Em Belo Horizonte, foram cerca de R$ 46 milhões por quilômetros, Belém R$ 26 milhões, Recife R$ 13 milhões e Fortaleza, R$ 8 milhões. Sabemos que essa referência tem que ser analisada à luz do projeto como um todo, mas o custo não deixa de ser altíssimo e impactante”, destacou Fernanda. Ela ainda pontuou que, dos R$ 376 milhões destinados ao trecho 1 do BRT de Salvador, cerca de R$ 204 milhões serão destinados para a construção de elevados e a macrodrenagem corresponde a menos de 10% do valor do projeto, cerca de R$ 20 milhões. “Então, reforço que este investimento não é pensando do transporte coletivo, mas no individual, com a criação de corredores exclusivos proporcionados pelos elevados”.
Impactos urbanísticos e falta de transparência
De acordo com o urbanista José Aloir, a construção de elevados paralelos, como os “minhocão” de São Paulo, idealizado em 1960, é uma solução obsoleta para o BRT de Salvador. “Por que elevados? A cidade cinza e cheia de elevados, minhocões, é algo que seria moderno na década de 60, mas não em 2017. Hoje, o ideal é uma cidade não verticalizada, cota zero, arborizada, pensada para as pessoas”, alfinetou o urbanista, que ainda questionou a participação popular e transparência do processo. “Por qual motivo não concluir primeiro o Plano de Mobilidade, com participação popular, para depois implementar o BRT? É bom lembrar que, até o momento, apenas três audiências foram realizadas para tratar deste modal, que já está em processo de licitação. Fica clara a falta de diálogo, com debates meramente técnicos, voltados para os técnicos, sem a devida clareza e sem a devida participação popular. Isso aconteceu com o PDDU e também com o projeto do BRT. Além disso, falta transparência no processo de licitação, já que não disponibiliza os anexos dos editais para a população em geral, sendo cobrada taxa de R$ 100 para ter acesso”.
O arquiteto e urbanista Carl Von Hauenschild, membro do “Fórum A Cidade Também é Nossa”, também destacou que “é preciso ter um planejamento geral para depois chegar aos projetos pontuais, como o BRT. Sendo assim, quando o Plano Salvador 500, que custou mais de R$ 6 milhões será entregue para a sociedade ter acesso? Quando ele vai passar a ser parâmetro para tomada de decisão na cidade? Quem deve definir os investimentos não deve ser o fator político, mas o Plano Diretor. Como implantar BRT sem base no Plano Diretor de Mobilidade? Como entregar melhorias sem planejamento e Metas? Estamos numa cidade de três milhões de habitantes. A gente não pode viver de momento. É preciso estratégia de desenvolvimento em que se define em que momento estrategicamente indicado adotar qual ação. Estamos discutindo investimentos pontuais sem ter sua integração com a visão a médio e longo prazo da cidade. Há uma falta de planejamento total. Por isso, a tendência é armengar”, disse Carl.
Ao final do evento, a deputada Maria del Carmen afirmou que vai sistematizar as observações decorrentes das discussões e encaminhá-las às instâncias responsáveis, além de elaborar um relatório, disponível para acesso.
Participaram da atividade, deputados da base do governo e da oposição, técnicos da Prefeitura de Salvador e do Governo do Estado, estudiosos da área de urbanismo e engenharia e representantes da sociedade civil organizada e a vereadora de Salvador Marta Rodrigues (PT).